sábado, julho 28, 2007

Cinco anos depois, aquela febre de lirismo que assola todos adolescentes em algum momento, a atingiu.
E a menina esqueceu sua promessa. Escreveu mais um poema.
Teve a impressão de que o poema rangia se fosse lido muitas vezes. Como tudo que permanece sem uso durante muito tempo. E tinha certeza que não era sua imaginação. Não importava quantas vezes o passasse a limpo, nada tirava dele aquele ar meio empoeirado, meio embolorado.
Percebeu que sua escrita estava a o mesmo tempo com a ferrugem natural do que é antigo e a aspereza das coisas novas que ainda não foram polidas.
Mas gostou mesmo assim. Tinha algo de agradável na repetição quase infantil do mesmo verso. Na escolha meio óbvia do título. No tema já tão saturado, mas ao mesmo tempo tão inesgotável. As estrofes, em quartetos, davam um ar de cantiga ao poeminha. Sim, não restava dúvidas. Apesar de sua simplicidade havia algo de simpático nele.
Tal qual a coruja, que acreditava serem seus filhotes os mais belos do mundo; ela também, tomada, de surpresa, por um amor àqueles frágeis versinhos, sentiu-se orgulhosa.
E então, cometeu o erro fatal. Mostrou-o a mais alguém. Que fique registrado, que a pessoa a quem foi mostrado a pequeno poema também estava então tomada pela febre de lirismo. Achou-o também agradável, bonito até. Veio então o parecer. "Bonito. De onde você tirou?"
Ela sabia que devia-se sentir orgulhosa. Aquela pessoa achara seu poema digno de figurar entre aquelas dignas poesias presentes em coletânes e antologias. Mas não sentiu nada disso. Sentiu apenas a face enrubrescer. Não entendeu o sentimento que a tomou. Não era vergonha. Seria raiva? Não.
Apenas sentiu-se de volta àquela segunda semana de abril, há cinco anos atrás.

terça-feira, julho 17, 2007

Voltamos no tempo. Para um momento na segunda semana de abril, há 9 anos atrás.
A tarefa era simples. Escreva uma redaçãosobre o descobrimento do Brasil. Quinze linhas. Fácil. Ela nunca tivera dificuldades para escrever textos. Não uma, mas ao menos três idéias originais brotaram em sua mente no momento. Sugeriu duas delas às amigas. E guardou para si a que mais lhe agradava. (Sabe como é, mesmo aos 9 anos de idade, não era imune ao egoísmo)
Ainda na escola, na hora do recreio, sentou-se para escrever.
Do ponto de vista da caravela. Um poeminha. Simples. Mas agradável.
Dois dias depois, a hora da verdade. Só esperava um sorriso da professora quando esta lhe entregasse a nota. Nada mais.
Não só não obteve o sorriso como também ouviu algo inesperado.
O poema já existia! Datava da infância de sua professora. Ela não entendeu do que estava sendo acusada. Não tinha como imaginar. Mas estava sendo acusada de plágio.
Duas frases depois, duas insinuações depois, percebeu, entendeu.
Sem compreender como isso era possível, baixou os olhos para a carteira.
Uma lágrima escorreu por seu rosto e caiu na mesa verde-água. Duas agora.
A professora viu as lágrimas. Interpretou-as como arrependimento.
A amiga ao lado, como vergonha. O amigo ao outro lado, raiva perante a injustiça.
Mas apenas ela sabia que enquanto essas duas lágrimas escorriam, uma promesssa estava sendo feita.
Jamais escreveria um poema novamente. Jamais passaria por aquele momento novamente. Jamais daria razão para ser tão injustamente acusada. Ou tão duramente criticada.
Passou os 5 anos que se seguiram sem escrever um poema sequer.
Passou os 5 anos que se seguiram sem escrever uma linha que não fosse absolutamente necessária.
Mal sabia ela, isso não impediria as acusações injustas. Nem as críticas.

sábado, julho 14, 2007

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa

terça-feira, julho 03, 2007

Sempre que tiver a impressão de auto-conhecimento, desconfie.
É balela.